terça-feira, 6 de setembro de 2016

A sinistra história dos Sorrisos de Budapeste

Nos anos que se seguiram ao fim da Grande Guerra, uma trágica epidemia de suicídios varreu a capital da Hungria, a bela cidade de Budapeste . Nunca se soube ao certo o motivo, talvez fosse o sentimento de perda das pessoas, sua frustração ou quem sabe a desesperança com os rumos da humanidade. Talvez fosse apenas uma apatia inexplicável ou falta de interesse manifesta. Alguns estavam convencidos de que o problema era causado por uma triste música chamada "Gloomy Sunday" uma melodia que de tão melancólica, se ouvida repetidas vezes poderia causar um irreversível desejo de cometer suicídio.
Seja como for, Budapeste, havia se convertido na capital européia das mortes auto-infligidas. Título que nenhum morador da cidade deveria se orgulhar.
A respeito da lamentável fama da cidade, um jornal inglês publicou o seguinte artigo em outubro de 1937:

"Embora seja um verdadeiro imã para turistas e viajantes de todas as partes do mundo, Budapeste nos últimos anos se tornou conhecida com a Cidade dos Suicidas. A capital da Hungria sofreu bastante com os horrores da guerra e tem recebido desagradável publicidade graças ao número assombroso de casos de auto-destruição entre seus habitantes. Para todos os padrões, a quantidade de suicídios em Budapeste é definitivamente alta. O método favorito adotado por muitos residentes melancólicos é o afogamento - pessoas se lançam nas águas turbulentas do Danúbio do alto de pontes ou das margens. A preocupação das autoridades é tamanha que motivou um grupo de policiais e barcos de patrulha a ficarem sempre à postos para recolher algum desesperado. Outro método empregado pelas pessoas é o envenenamento, por isso as farmácias e apotecários foram proibidos de vender substâncias tóxicas e venenos a população. Finalmente, há o caso de indivíduos que preferem morrer utilizando armas de fogo ou lâminas. Os boatos informam que o número de pessoas que cedem ao desespero e utilizam armas dessa natureza para por fim a sua miséria, aumentou depois que medidas restritivas foram colocadas em prática para impedir o acesso a pontes e a aquisição de substâncias tóxicas. O que se passa em Budapeste causa extrema consternação e preocupação".  

Mais estranho do que o problema, foi a maneira como a cidade tentou combater os suicídios... com algo chamado "Smile Clubs." (Os Clubes de Sorriso).
Os Clubes surgiram a partir de uma piada feita por um renomado psiquiatra local, o Professor Jeno e um famoso hipnotizador chamado Binczo. Eles reputavam a razão pelo grande número de suicídios a uma condição melancólica típica do povo húngaro, uma tristeza causada pela incapacidade de estabelecer empatia e de se alegrar com as pequenas coisas da vida. O sintoma clássico das pessoas afligidas pela "Tristeza Húngara" (um termo que acabou pegando), era a incapacidade de sorrir. Segundo Jeno, muitos dos habitantes de Budapeste eram incapazes de demonstrar alegria, e boa parte não conseguia nem mesmo sorrir.
Em um espetáculo digno de vaudeville, o hipnotizador Binczo provou como o mero ato de sorrir era difícil para os moradores da cidade. Como parte de uma apresentação pública, ele colocou um grupo de pessoas tiradas da platéia em transe e fez com que eles obedecessem suas ordens, mandando que elas vissem coisas e se comportassem de maneira incomum. Mas quando finalmente ele ordenou que as pessoas no palco sorrissem, elas foram incapazes de obedecer, algumas despertaram do transe ou começaram a chorar amargamente.
Parecia haver algo de muito errado na cidade onde as pessoas não sorriam.
O governo deu início a programas para aumentar a jovialidade entre a população. Palhaços, circenses e comediantes eram chamados para se apresentar nas ruas e tentar alegrar as pessoas. Piadas eram contadas no intervalo dos programas de rádio mais populares. Cinemas e teatros receberam a ordem de apresentar comédias e substituir os dramas. Até mesmo a popular Gloomy Sunday (um sucesso arrebatador no país) desapareceu da lista de músicas.
Mas de nada adiantou... pessoas continuavam se matando em Budapeste. Um suicídio chamou a atenção, ganhando as manchetes dos principais jornais do país: uma noiva havia se matado durante a recepção de seu próprio casamento. A jovem tomou uma dose mortal de arsênico enquanto os convidados se perguntavam quando o bolo seria servido.
As pessoas até imaginavam que a tristeza húngara poderia ser contagiosa, algo que estivesse no ar e que poderia afetar qualquer pessoa, à qualquer momento.

Foi então que surgiram os "Clubes de Sorriso".
Os primeiros grupos se organizaram como escolas ou cursos que prometiam ensinar aos húngaros o segredo da alegria, jovialidade e é claro, a arte de mostrar um belo sorriso. Pode parecer um absurdo, mas os Clubes começaram a atrair mais e mais pessoas que temiam ser contaminadas por uma tristeza letal. Estas estavam dispostas a pagar aos especialistas pelas aulas práticas e teóricas.
Diante do grande número de interessados, vários clubes começaram a aparecer, oferecendo diferentes tratamentos no combate da tristeza. Alguns contratavam professores para ensinar como deveria ser o sorriso perfeito, mostrando fotografias de celebridades e mandando que os alunos tentassem repetir a expressão da foto. Outra escola oferecia uma espécie de suspensor de lábios, uma armação metálica que ficava presa aos lábios puxando-os de tal forma que a pessoa era incapaz de conter o sorriso.
Outra, ia ainda mais longe, oferecendo um tratamento de choque à base de gás hilariante (o gás do riso) para forçar os alunos a dar boas gargalhadas.
Durante esse período, não era totalmente absurdo sair pelas ruas de Budapeste e dar de cara com pessoas usando uma placa de madeira pendurada na frente da boca com um sorriso desenhado.  Mais do que demonstrar um sorriso saudável, muitas pessoas acreditavam que uma face tristonha podia contaminar as demais, por isso, era necessário restringir aqueles que tinham uma expressão tristonha. Na entrada de metrôs algumas pessoas distribuíam lenços para serem usados por pessoas sofrendo de "tristeza húngara", esses lenços tinham sorrisos bordados na frente.
A situação perdurou na Hungria por quase um ano, depois disso, as pessoas devem ter começado a se sentir ridículas e os Clubes de Sorriso foram aos poucos fechando as suas portas.
Por volta de 1940, o governo obrigou os últimos clubes a encerrar suas atividades, acusando seus proprietários de explorar a população com charlatanismo. Por volta dessa época, o número de suicídios foi reduzindo até se tornar compatível ao restante das cidades da Europa. Infelizmente, a Segunda Grande Guerra começaria logo em seguida e não haveria muitos motivos para sorrir, em Budapeste ou no resto do mundo.

As fotos a seguir foram publicadas pela revista dinamarquesa Het Leven, no ano de 1937.  Elas mostram algumas práticas corriqueiras nos Clubes de Sorriso espalhados pela Hungria, a maioria delas parecem completamente absurdas, sobretudo a que mostra pessoas usando o tal suspensor labial para criar sorrisos absolutamente artificiais.

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