Os prostíbulos dos campos de concentração continuam sendo um
capítulo resguardado dos horrores da era nazista. Agora, um pesquisador alemão
estudou o assunto sombrio e revelou a crueldade meticulosa dos assim chamados
"alojamentos especiais".
Chutando-as de botas, o soldado da SS tirou Margarete W. e
outras prisioneiras do trem e levou-as para um caminhão. "Levantem a lona.
Todo mundo para dentro", gritou. Pela janela de plástico da lateral da
lona ela observou quando entraram em um campo masculino e pararam na frente de
um dormitório com uma cerca de madeira.
As mulheres foram levadas para uma sala mobiliada. O
alojamento era diferente daqueles que Margarete W., então com 25 anos, conhecia
de seu tempo no campo de concentração feminino de Ravensbrück. Havia mesas,
cadeiras, bancos, janelas e até cortinas. A supervisora informou às
recém-chegadas que agora estavam em um "bordel de prisioneiros". Elas
viveriam bem ali, disse a mulher, com boa comida e bebida e, se fossem
obedientes, nada aconteceria elas. Então, cada mulher foi enviada a um quarto.
Margaret mudou-se para o número 13.
O bordel de prisioneiras do campo de concentração de
Buchenwald começou a operar no dia 11 de junho de 1943. Foi o quarto de um
total de 10, chamados "alojamentos especiais" erguidos em campos de
concentração entre 1942 e 1945, a partir de instruções de Heinrich Himmler,
diretor da SS. Ele implementou um esquema de recompensas nos campos, pelo qual
as "realizações particulares" dos prisioneiros lhes garantiam menor
carga de trabalho, alimento extra ou bônus financeiros.
"Especialmente pérfido"
Ainda é um aspecto menos conhecido do terror nazista que
Sachsenhausen, Dachau e até Auschwitz incluíam bordéis e que prisioneiras de
campo de concentração foram forçadas à prostituição. O acadêmico de Berlim
Robert Sommer, 34, estudou arquivos e memoriais de campos de concentração no
mundo todo e fez diversas entrevistas com testemunhas históricas nos últimos
nove anos. Seu estudo, que será publicado neste mês, fornece a primeira
pesquisa ampla e científica desta "forma especialmente pérfida de
violência nos campos de concentração". Sua pesquisa serviu de base para a
mostra viajante "Bordéis de campos - o sexo forçado nos campos de
concentração nazistas", que viajará por diversos memoriais no ano que vem.
Sommer fornece inúmeras evidências para combater a lenda que
os nazistas proibiam resolutamente e lutaram contra a prostituição. De fato, o
regime tinha uma fiscalização total da prostituição, tanto na Alemanha quanto
nos territórios ocupados-especialmente depois do início da guerra. A rede ampla
de bordéis controlados pelo Estado cobriu metade da Europa, e consistia de
"bordéis civis e militares assim como os de trabalhadores forçados e ao
mesmo tempo eram parte dos campos de concentração", segundo Sommer.
A combatente da resistência austríaca Antônia Bruha, que
sobreviveu ao campo de Ravensbrück, informou anos atrás que: "As mais bonitas
iam para o bordel da SS, as menos bonitas para o dos soldados".
O resto terminava no bordel do campo de concentração. No
campo de Mauthausen, na Áustria, nos dez pequenos quartos do "Alojamento
1", o primeiro bordel de campo começou suas operações com janelas fechadas
em junho de 1942. Naquela altura, havia cerca de 5.500 prisioneiros do campo de
trabalho forçado de Mauthausen, quebrando granito para as construções nazistas.
No final de 1944, mais de 70.000 trabalhadores forçados moravam no complexo do
campo.
A SS tinha recrutado dez mulheres para Mauthausen, seguindo
as instruções da agência de segurança do governo para erguer bordéis nos campos
de trabalho forçado. Isso significava entre 300 a 500 homens por prostituta.
Cerca de 200 mulheres compartilharam o destino dos
prisioneiros de Mauthausen nos bordéis do campo. Prisioneiras saudáveis e de
boa aparência de 17 e 35 atraíam atenção dos recrutadores da SS. Mais de 60%
delas eram alemãs, mas polonesas, soviéticas e uma holandesa foram transferidas
para "a força-tarefa especial". Os nazistas não permitiam mulheres
judias por razões de "higiene racial". Primeiro, as mulheres eram
enviadas para o hospital do campo, onde recebiam injeções de cálcio, banhos
desinfetantes, alimentos e um banho de luz.
De 300 a 500 homens por prostituta
Perto de 70% das trabalhadoras forçadas à prostituição
tinham sido presas originalmente por serem "anti-sociais". Nos
campos, as mulheres eram marcadas com um triângulo preto. Dentre elas, havia
ex-prostitutas, cuja presença supostamente garantia a administração
"profissional" dos bordéis dos campos, especialmente no início. Era
muito fácil para uma mulher ser considerada "anti-social", bastava,
por exemplo, não cumprir as instruções de trabalho.
Até que ponto as mulheres se voluntariaram para essas
"forças-tarefas especiais" não se sabe. Robert Sommer cita a
combatente da resistência espanhola Lola Casadell, que foi levada a Ravensbrück
em 1944. Ela disse que a diretora do seu alojamento ameaçou: "Quem quiser
ir para um prostíbulo deve ir para o meu quarto. Advirto, se não houver
voluntárias, vamos pegar vocês à força."
O testemunho de Antonia Bruha, forçada a trabalhar na área
do hospital do campo de concentração, lembra de mulheres "que vieram
voluntariamente, porque foram informadas que depois seriam liberadas".
Essa promessa foi rejeitada por Himmler, que reclamou que "alguns
lunáticos no campo de concentração feminino, ao selecionarem as prostitutas
para os bordéis, disseram às prisioneiras que aquelas que se voluntariassem
seriam liberadas depois de seis meses."
A última esperança de sobrevivência
Para muitas das mulheres vivendo sob ameaça de morte,
contudo, servir em um bordel era a última esperança de sobrevivência. "A
principal coisa era escapar do inferno de Bergen-Belsen e Ravensbrüc",
disse Lieselotte B., prisioneira do campo de Mittlebau-Dora. "A principal
coisa era sobreviver". A sugestão de que faziam isso
"voluntariamente" é uma das razões "pelas quais as mulheres dos
bordéis são estigmatizadas até hoje", explicou Insa Eschebach, diretora do
memorial de Ravensbrück.
Mantendo a hierarquia nazista racista nos campos, a
princípio, apenas alemães podiam visitar o bordel, depois os estrangeiros
também foram incluídos. Os judeus eram estritamente proibidos. Recebiam esses
bônus os capatazes, diretores de alojamento e outros ocupantes proeminentes do
campo. Primeiro, eles tinham que ter o dinheiro para adquirir um bilhete, que
custava 2 marcos. Vinte cigarros na cantina, enquanto isso, custavam 3 marcos.
As visitas aos bordéis eram reguladas pela SS, assim como as
horas de funcionamento. Em Buchenwald, por exemplo, o serviço ficava aberto de
7 às 22h. Ele permanecia fechado na falta de água ou luz, em ataques aéreos ou
durante a transmissão dos discursos de Hitler. Edgar Kupfer-Koberwitz,
prisioneiro em Dachau, descreveu o sistema em um diário do campo de concentração:
"Você espera no salão. Um soldado registra o nome e o número do
prisioneiro. Depois, chamam o um número e o nome do prisioneiro em questão. Aí
você corre até o quarto com aquele número. Cada visita é um número diferente.
Você tem 15 minutos, exatamente quinze minutos." A privacidade era um
conceito estranho aos campos de concentração, inclusive nos bordéis. As portas
tinham janelas, e um soldado da SS patrulhava o salão. Os prisioneiros tinham
que tirar os sapatos e não podiam falar além do necessário. A única posição
sexual permitida era a de missionário.
Freqüentemente, o encontro nem chegava à penetração. Alguns
homens não tinham mais força física para isso e, de acordo com Sommer,
"alguns tinham mais necessidade de conversar com uma mulher novamente ou
sentir a sua presença". A SS tinha muito medo de espalhar doenças
sexualmente transmissíveis. Os homens recebiam ungüentos desinfetantes nos
hospitais antes de cada visita ao bordel, e os médicos tiravam amostras das
mulheres para testar gonorréia e sífilis.
A contracepção, por outro lado, era um aspecto que a SS
deixava para as mulheres. Entretanto, raramente engravidavam, já que muitas
mulheres tinham sido esterilizadas à força antes de serem presas e outras
tinham se tornados inférteis com o sofrimento nos campos. No evento de um
"acidente ocupacional", a SS simplesmente substituía mulher e a
enviava para um aborto.
Aquelas que agüentavam a dureza da vida num bordel tinham
mais chances de escapar da morte e, de acordo com a pesquisa de Sommer, quase
todas as mulheres na prostituição forçada sobreviveram ao regime de terror
nazista. Pouco se sabe o que aconteceu com elas ou se jamais conseguiram se
recuperar da experiência traumática. A maior parte delas manteve silêncio sobre
seu fardo pelo resto de suas vidas.
O livro de Robert Sommer, "The concentration camp
Bordello: Sexual Forced Labor in National Socialistic concentration camps"
(o bordel do campo de concentração: o trabalho forçado sexual em campos de
concentração), será publicado em alemão pela Schöningh Verlag, Paderborn.
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