Como o Tribunal da Inquisição, sediado em Lisboa, conseguiu
se fazer presente até mesmo nos confins do Brasil colonial, coletando denúncias,
prendendo pessoas e levando-as para serem julgadas em Portugal? Com quais
instituições a Inquisição se relacionava? Que setores sociais cooperaram com
ela?
Essas foram as perguntas que inspiraram a tese Poder
eclesiástico e Inquisição no século XVIII luso-brasileiro: agentes, carreiras e
mecanismos de promoção social, apresentada por Aldair Carlos Rodrigues no
Departamento de História da Universidade de São Paulo, para a obtenção do
título de doutor.
Segundo o pesquisador, os atrativos para a formação dessa
rede eram a distinção social e os privilégios que seu membros passavam a ter.
- Não era fácil se tornar um quadro da Inquisição, porque
essa instituição possuía vários dispositivos bastante excludentes. Então, quem
conseguia passar pelos filtros, adquiria um status social destacado - afirmou.
Para os integrantes das elites da época, tanto na Península
Ibérica quanto nas colônias da América, era muito importante provar a
"limpeza de sangue", ou seja, provar que não se pertencia às
"raças" consideradas "infectas" (judeus, muçulmanos,
negros, indígenas).
A Inquisição era tida como a instituição mais rigorosa na
apuração da "limpeza de sangue". Entrar para seus quadros equivalia a
apresentar a toda a sociedade um atestado de "sangue puro".
- Isso tornava o pertencimento à Inquisição muito atraente.
Por meio do ‘estatuto de limpeza de sangue’, a Inquisição desempenhou um papel
importantíssimo no processo de formação e estruturação da elite social do
Brasil durante o século XVIII - informou Rodrigues.
De acordo com o pesquisador, a novidade do seu estudo foi
investigar o papel da Inquisição na estruturação da sociedade brasileira e na
constituição das hierarquias.
O início da atuação da Inquisição na Península Ibérica pode
ser mais bem compreendido quando se considera que os Estados que estavam se
estruturando nesse período se fundamentavam na unidade da fé. Constituídos no
contexto da luta de cristãos contra muçulmanos, identificavam-se profundamente
com a fé católica. A sobrevivência de outras confissões religiosas no mesmo
território punha em xeque essa unidade da fé, e, por extensão, a unidade
política.
- A criação de instituições encarregadas da repressão
violenta às dissidências religiosas, como foram os tribunais da Inquisição
espanhola e portuguesa, se inseriram nesse contexto - explicou Rodrigues.
Já a sobrevivência desses mesmos tribunais e de seus
aparatos em épocas tão tardias quanto a primeira metade do século XIX – e não
apenas nas metrópoles ibéricas, mas também nas colônias americanas – exige
outro tipo de explicação. E, nesse caso, o atrativo social decorrente da
aplicação dos "estatutos de limpeza de sangue" e uma série de
privilégios, como a isenção fiscal, ajudam a entender como essa instituição
pode estruturar uma vasta rede de agentes que perpetuou a sua atuação.
- A chancela de "limpeza de sangue" que o
pertencimento aos quadros da Inquisição proporcionava exercia enorme atração
sobre as elites coloniais, tanto aquelas que já estavam consolidadas quanto as
emergentes. Segundo o meu levantamento para o século XVIII, havia, em toda a
colônia, aproximadamente 200 comissários da Inquisição no setor eclesiástico.
Na mesma época, o número de agentes civis ligados à instituição chegava a cerca
de 2 mil - sublinhou Rodrigues.
Segundo ele, esses agentes civis, chamados de “familiares do
Santo Ofício”, eram, principalmente, pessoas que estavam enriquecendo a partir
de atividades comerciais, mas ainda não dispunham de status social. Para tais
pessoas, entrar para a Inquisição era uma forma rápida e eficaz de ascender
socialmente.
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