sexta-feira, 13 de março de 2015

Leanan Sidh - A Fada Vampira

Este belo ser sinistro é envolto em mistérios,confusões, sincretismos e sombras. Características diversas se entrecruzam, a ponto de alguns considerarem que ligeiras diferenças de nomes referem-se a criaturas totalmente diferentes, dependendo da região. A concepção mais comum da Leanan Sidhe hoje é a de uma fada com poderes de musa, capaz de inspirar artistas a terem enorme sucesso, porém condenando-lhes a uma vida curta. A forma mais luminosa e menos cruel deste ser (cuja origem mais provável é celta) é sua versão irlandesa, cujo nome é exatamente Leanan Sidhe. Ela seria inspiradora de poetas, cantores e todos os artistas. Um “espírito de vida”, assim como sua irmã Bean Sidhe (uma das versões da popular Banshee) seria o arauto da morte. O encontro do poeta com sua musa confunde-se com o aisling, um estilo literário muito popular na Irlanda dos séculos XVII e XVIII. Nele, o poeta, ao andar por uma colina, tinha a visão do próprio espírito da Irlanda na forma de uma mulher, ora bela e luminosa, ora feia e acabada. O aisling tornou-se um estilo de forte cunho político, pois comumente a jovem em sua visão lamentava o estado da nação irlandesa e prenunciava a volta de seus tempos gloriosos.
Outra forma desta fada aparece na Ilha de Man, pequeno estado independente do Reino Unido que quase ninguém conhece, mas que é o berço de uma das interpretações mais comuns deste ser. Chamada de Leanhaun Shee, ela também é inspiradora de artistas. Permanecendo invisível para todos os outros, ela aparece para quem ela escolhe com uma beleza inconcebível, tão deslumbrante que é quase impossível resistir a ela. Ela concede inspiração para o artista executar grandes obras, alimentando-se da emoção emanada dele. Aqui começam divergências.
Alguns consideram que seja um trato simples entre as partes: inspiração em troca da emoção profunda da qual ela se alimenta. Outros sustentam que ela se alimenta de fato da força vital do artista, levando-o à morte certa em um certo prazo de tempo. Neste caso, a característica vampírica está presente, não pela drenagem de sangue, mas da própria energia de vida. Após a morte do homem, a fada o carregaria para seu reino.
A etimologia do nome já abre as portas para outras características conhecidas da fada. Tanto as formas Leanhaum Shee quanto Leanan Sidhe significam “fada-amante” ou “fada-namorada”. Alguns tradutores apontam a palavra de origem galesa leanan como sendo “amor de minha alma e espírito” ou “minha inspiração”, dentre outras possíveis que incluem “concubina” e “favorita”. Sidhe é a palavra para “fada” e refere-se geralmente a seres encantados, denominando também um povo antigo que teria ocupado as “Terras Verdes” muitos e muitos anos antes do aparecimento do povo irlandês.
A fada teria, então, o hábito de tomar o artista como amante. A morte prematura do artista poderia ser, segundo outras interpretações, uma profunda e desesperadora tristeza nascida do amor pela musa e, principalmente, da falta que ela faria quando fosse abandonado por ela, abrindo uma possibilidade bem diferente e interessante, já que a fada não o drenaria até a morte, e mostrando que é possível que ela perca o interesse por ele. É muito curiosa a interpretação que aparece dando conta da responsabilidade do artista na perda de sua musa, numa simbologia fascinante sobre a morte (real ou figurada) de todos que fazem arte ao não honrarem seu compromisso com este que seria um “dom” divino. Também dá suporte à teoria de que ela não seria um espírito maléfico, já que a morte vem dos próprios medos e obsessões do artista e não de ações diretas da Leanan Sidhe.
Esta visão da Leanan Sidhe, onde ela domina um homem e o consome até a morte, deriva, provavelmente, de um cruzamento com o mito da sucubus. A teoria mais provável aponta que foi a Igreja Católica, em sua cruzada para converter toda a Europa, que amalgamou o mito da Leanan com o da sucubus (muito popular na época) com o objetivo de demonizá-la e enfraquecer a relação dos povos de origem celta com suas divindades. Isso, na verdade, aconteceu com boa parte das fadas da cultura celta, transformadas em algo muito parecido com as sucubus pela Igreja. Com o tempo, características vampíricas foram se tornando mais e mais presentes. Acredita-se que ela não bebe o sangue das vítimas, mas o armazena em seu caldeirão, que seria a fonte de sua beleza e seu poder de inspirar. Outras vertentes dizem que ela suga o sangue de pessoas comuns para se alimentar, mas de seus artistas escolhidos suga sua força vital, levando-os à morte. Ainda dentro desta vertente mais sinistra, existe uma versão que afirma que, apesar de dotada de uma beleza incomensurável, é possível, sim, resistir à sua sedução. Se isso acontecer, ela se torna escrava daquele que deveria ter sido sua vítima. Mas se o artista cair em seus encantos, diz-se que a única forma de escapar com vida é encontrar outro para colocar em seu lugar. De fato, seria a única escapatória, já que a morte não lhe traria alívio, pois ele seria carregado por Leanan para seu mundo.
Por outro lado, diz-se também que a Leanan desenvolve muitas vezes um instinto de proteção em relação ao artista que inspira. Essa relação pode até mesmo chegar ao ponto em que a fada se apaixonaria pelo seu protegido. Sua beleza seria a real fonte de seu poder inspirador, levando seus amantes-artistas a produzirem obras invariavelmente sobre amor, desejo e desespero.
Existem também vários relatos desta fada tomando a forma humana e sendo capaz de inspirar homens para a guerra. Uma história tradicional ligada a Leanan Sidhe dá conta de sua influência com o Rei Eugene de Munster. Tomando a forma humana e assumindo a identidade de uma poetiza chamada Eodain, ela teria inspirado o Rei de tal forma que ele foi capaz de derrotar completamente seus inimigos. Após isso, ele teria se entregado à luxúria e aos prazeres mundanos. Abandonou seu reino, mudou-se para a Espanha, onde constituiu família. Voltando ao seu reino depois de nove anos, encontrou seu povo passando fome, enquanto alguns poucos banqueteavam em seu castelo.
Mesmo tentando livrar o povo desta condição, este não mais confiava no rei que os abandonara. Procurando novamente Eodain, o rei pediu por auxilio e ela foi capaz de inspirá-lo com seu poder de poetiza e de profeta, levando Eugene à vitória e restabelecendo a ordem em seu reino. O tempo e as diferenças vão modificando até mesmo as interpretações mais suaves deste mito. A mesma cultura irlandesa que a via como um espírito inspirador virtualmente inofensivo, hoje a vê como um ser vampírico, chegando até mesmo a identificar seu nome como se referindo também a outra criatura, a Dearg-due, cujo nome se traduziria como “sugadora de sangue vermelho”. Chega-se até a considerá-la uma morta-viva, desconsiderando totalmente sua tradição como fada, um ser descendente dos Sidhe, de outros mundos encantados.
Ela também confunde-se com Aine, ao lhe ser atribuído o título de “Namorada dos Sidhe”. Aine seria a filha do deus Manannan mac Lir ou, segundo outras vertentes, sua esposa. Neste caso, ela seria a filha de Morrigu, que possuía a Cathair Aine, uma pedra capaz de causar loucura. Essa relação é curiosa, pois remete à obsessão dos amantes de Leanan Sidhe, uma vez que, segundo algumas versões, a única alternativa à morte nas mãos da fada seria justa mente a loucura. Feixes de palha são queimadas em sua homenagem na noite de São João na Irlanda.

Com tantas variações e sincretismos, a visão mais comum da Leanan Sidhe hoje em dia é um amálgama de praticamente todas essas características: ela é uma fada, uma vampira e uma musa, capaz de iluminar os artistas com sua beleza e inspiração esplendorosas, sendo, ainda assim, um ser envolto em escuridão. Em última instância, Leanan Sidhe parece ser fruto do mito envolvendo o próprio artista e seu processo criativo. Os poetas galeses da idade média, famosos por suas vidas curtas e intensas, não diferem nada de mitos modernos como James Dean e Kurt Cobain. O estereótipo do artista sofrido, infeliz, agoniado e brilhante ainda faz parte do imaginário mundial, alimentado por esses grandes ídolos, exceções que, por sua enorme projeção, importância e relevância, viram regra. E uma musa que inspira obras primas em troca da vida, corpo e alma do artista é mais uma bela, assombrosa, terrível e trágica história de amor

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