quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

Conto: A mão do Macaco

Olá mundanos!
Hoje venho lhes trazer um dos contos de que mais gosto e que remete muito ao terror e horror em uma dose sutil porém macabra e com uma aura assustadora.
Estou falando do conto A mão do Macaco escrita por W.W.Jacobs,é um conto difícil de ser encontrado já que a coletânea da qual ele faz parte sempre se esgota rapidamente nas prateleiras de livrarias.O nome da Coletânea é Contos de Horror do séc XIX e para o desespero de vocês eu POSSUO esse livro \o/ e não empresto para ninguém pois o encontrei as duras penas e um sebo,o livro é composto se não me engano por 35 contos de escritores famosos e outros nem tanto e o que tenho a dizer?Simplesmente uma coletânea genial e que ira render uma série aqui no blog =).Vamos ao conto agora já enrolei demais rsrsrs.


A mão do macaco.
Lá fora, a noite estava fria e úmida, mas na pequena sala de visitas de Labumum Villa os postigos estavam abaixados e o fogo queimava na lareira. Pai e filho jogavam xadrez: o primeiro tinha ideias sobre o jogo que envolviam mudanças radicais, colocando o rei em perigo tão desnecessário que até provocava comentários da velha senhora de cabelos brancos, que tricotava serenamente perto do fogo.
- Ouça o vento - disse o Sr. White, que, tendo visto tarde demais um erro fatal, queria evitar que o filho o visse.
- Estou escutando - disse o último, estudando o tabuleiro ao esticar a mão. - Xeque.
- Eu duvido que ele venha hoje à noite - disse o pai, com a mão parada em cima do tabuleiro.
- Mate - replicou o filho.
- Essa é a desvantagem de se viver tão afastado - vociferou o Sr. White, com um a violência súbita e inesperada. - De todos os lugares desertos e lamacentos para se viver, este é o pior. O caminho é um atoleiro, e a estrada uma torrente. Não sei o que as pessoas têm na cabeça. Acho que, como só sobraram duas casas na estrada, elas acham que não faz mal.
- Não se preocupe, querido - disse a esposa em tom apaziguador. - Talvez você ganhe a próxima partida.
O Sr. White levantou os olhos bruscamente a tempo de perceber uma troca de olhares entre mãe e filho. As palavras morreram em seus lábios, e ele escondeu um sorriso de culpa atrás da barba fina e grisalha.
- Aí vem ele - disse Herbert White, quando o portão bateu ruidosamente e passos pesados se aproximaram da porta. O velho levantou-se com uma pressa hospitaleira e, ao abrir a porta, foi ouvido cumprimentando o recém chegado. Este também o cumprimentou, e a Sra. White tossiu ligeiramente quando o marido entrou na sala, seguido por um homem alto e corpulento, com olhos pequenos e nariz vermelho.
- Sargento Morris - disse ele, apresentando-o. O sargento apertou as mãos e, sentando-se no lugar que lhe ofereceram perto do fogo, observou satisfeito o anfitrião pegar uísque e copos, e colocar uma pequena chaleira de cobre no fogo.
Depois do terceiro copo, seus olhos ficaram mais brilhantes, e ele começou a falar, o pequeno círculo familiar olhando com interessante este visitante de lugares distantes, quando ele empertigou os ombros largos na cadeira e falou de cenários selvagens e feitos intrépidos: de guerras, pragas e povos estranhos.
- Vinte e um anos nessa vida - disse o Sr. White, olhando para a esposa e o filho. - Quando ele foi embora era um rapazinho no armazém. Agora olhem só para ele.
- Ele não parece ter sofrido muitos reveses - disse a Sra. White amavelmente.
- Eu gostaria de ir à Índia - disse o velho - só para conhecer, compreende?
- Você está bem melhor aqui - disse o sargento, sacudindo a cabeça. Pôs o copo vazio na mesa e, suspirando baixinho, sacudiu a cabeça novamente.
- Eu gostaria de ver aqueles velhos templos, os faquires e os nativos - disse o velho. - O que foi que você começou a me contar outro dia sobre uma pata de macaco ou algo assim Morris?
- Nada - disse o soldado rapidamente. - Não é nada de importante.
- Pata de macaco? - perguntou a Sra. White, curiosa.
- Bem, é só um pouco do que se poderia chamar de magia, talvez - disse o sargento com falso ar distraído. Os três ouvintes debruçaram-se nas cadeiras interessados. O visitante levou o copo vazio à boca distraidamente e depois recolocou-o onde estava. O dono da casa tornou a enchê-lo.
- Aparentemente - disse o sargento, mexendo no bolso - é só uma patinha comum dissecada. Tirou uma coisa do bolso e mostrou-a. A Sra. White recuou com uma careta, mas o filho, pegando-a, examinou-a com curiosidade.
- E o que há de especial nela? - perguntou o Sr. White ao pegá-la da mão do filho e, depois de examiná-la, colocá-la sobre a mesa.
- Foi encantada por um velho faquir - disse o sargento -, um homem muito santo. Ele queria provar que o destino regia a vida das pessoas, e que aqueles que interferissem nele seriam castigados. Fez um encantamento pelo qual três homens distintos poderiam fazer, cada um, três pedidos a ela.
A maneira dele ao dizer isso foi tão solene que os ouvintes perceberam que suas risadas estavam um pouco fora de propósito.
- Bem, por que não faz os seus três pedidos, senhor? - disse Herbert White astutamente. O soldado olhou para ele como olham as pessoas de meia-idade para um jovem presunçoso.
- Eu fiz - disse ele calmamente, e seu rosto marcado empalideceu.
- E teve mesmo os três desejos satisfeitos? - perguntou a Sra. White.
- Tive - disse o sargento, e o copo bateu nos dentes fortes.
- E alguém mais fez os pedidos? - insistiu a senhora.
- O primeiro homem realizou os três desejos - foi a resposta. - Eu não sei quais foram os dois primeiros, mas o terceiro foi para morrer. Por isso é que consegui a pata.
Seu tom de voz era tão grave que o grupo ficou em silêncio.
- Se você conseguiu realizar os três desejos, ela não serve mais para você Morris - disse o velho finalmente. - Para que você guarda essa pata?
O soldado meneou a cabeça.
- Por capricho, suponho - disse lentamente. - Cheguei a pensar em vendê-la, mas acho que não o farei. Ela já causou muitas desgraças. Além disso, as pessoas não vão comprar. Acham que é um conto de fadas, algumas delas; e as que acreditam querem tentar primeiro para pagar depois.
- Se você pudesse fazer mais três pedidos - disse o velho, olhando para ele atentamente -, você os faria?
- Eu não sei - disse o outro. - Eu não sei.
Pegou a pata e, balançando-a entre os dedos, de repente jogou-a no fogo.
White, com um ligeiro grito, abaixou-se e tirou-a de lá.
- É melhor deixar que ela se queime - disse o soldado solenemente.
- Se você não quer mais, Morris - disse o outro -, me dá.
- Não - disse o amigo obstinadamente. - Eu a joguei no fogo. Se você ficar com ela, não me culpe pelo que acontecer. Jogue isso no fogo outra vez, como um homem sensato.
O outro sacudiu a cabeça e examinou sua nova aquisição atentamente.
- Como você faz para pedir? - perguntou.
- Segure a pata na mão direita e faça o pedido em voz alta - disse o sargento -, mas eu o advirto sobre as consequências.
- Parece um conto das Mil e uma noites - disse a Sra. White, ao se levantar e começar a pôr o jantar na mesa. - Você não acha que deveria pedir quatro pares de mão para mim?
- Se quer fazer um pedido - disse ele asperamente -, peça algo sensato. O Sr. White colocou a pata no bolso novamente e, arrumando as cadeiras acenou para que o amigo fosse para a mesa. Durante o jantar o talismã foi parcialmente esquecido, e depois os três ficaram escutando, fascinados, um segundo capítulo das aventuras do soldado na Índia.
- Se a história sobre a pata de macaco não for mais verdadeira do que as que nos contou - disse Herbert, quando a porta se fechou atrás do convidado, que partiu a tempo de pegar o último trem -, nós não devemos dar muito crédito a ela.
- Você deu alguma coisa a ele por ela, papai? - perguntou a Sra. White, olhando para o marido atentamente.
- Pouca coisa - disse ele, corando ligeiramente. - Ele não queria aceitar, mas eu o fiz aceitar. E ele tornou a insistir que eu jogasse fora.
- É claro - disse Herbert, fingindo estar horrorizado. - Ora, nós vamos ser ricos, famosos e felizes. Peça para ser um imperador, papai, para começar, então você não vai ser mais dominado pela mulher.
Ele correu em volta da mesa, perseguido pela Sra. White armada com uma capa de poltrona.
O Sr. White tirou a pata do bolso e olhou para ela dubiamente.
- Eu não sei o que pedir, é um fato - disse lentamente. - Eu acho que tenho tudo o que quero.
- Se você acabasse de pagar a casa ficaria bem feliz, não ficaria? - disse Herbert, com a mão no ombro dele. - Bem, peça 200 libras, então, isso dá.
O pai, sorrindo envergonhado pela própria ingenuidade, segurou o talismã, quando o filho, com uma cara solene, um tanto franzida por uma piscadela de olhos para a mãe, sentou-se no piano e tocou alguns acordes para fazer fundo.
- Eu desejo 200 libras - disse o velho distintamente.
Um rangido do piano seguiu-se às palavras, interrompido por um grito estridente do velho. A mulher e o filho correram até ele.
- Ela se mexeu - gritou ele, com um olhar de nojo para o objeto caído no chão. - Quando eu fiz o pedido, ela se contorceu na minha mão como uma cobra.
- Bem, eu não vejo o dinheiro - disse o filho ao pegá-la e colocá-la em cima da mesa - e aposto que nunca vou ver.
- Deve ter sido imaginação sua, papai - disse a esposa, olhando para ele ansiosamente.
Ele sacudiu a cabeça.
- Não faz mal, não aconteceu nada, mas a coisa me deu um susto assim mesmo.
Eles se sentaram perto do fogo novamente enquanto os dois homens acabavam de fumar cachimbos. Lá fora, o vento zunia mais do que nunca, e o velho teve um sobressalto com o barulho de uma porta batendo no andar de cima. Um silêncio estranho e opressivo abateu-se sobre todos os três, e perdurou até o velho casal se levantar e ir dormir.
- Eu espero que vocês encontrem o dinheiro dentro de um grande saco no meio da cama - disse Herbert, ao lhes desejar boa noite - e algo terrível agachado em cima do armário observando vocês guardarem seu dinheiro maldito.
Ficou sentado sozinho na escuridão, olhando para o fogo baixo e vendo caras nele. A última cara foi tão feia e tão simiesca que ele olhou para ela assombrado. A cara ficou tão vivida que, com uma risada inquieta, ele procurou um copo na mesa que tivesse um pouco de água para jogar no fogo. Sua mão pegou na pata de macaco, e com um ligeiro estremecimento ele limpou a mão no casaco e foi dormir.
Na claridade do sol de inverno, na manhã seguinte, quando este banhou a mesa do café, ele riu de seus temores. Havia um ar de naturalidade na sala que não existia na noite anterior, e a pequena pata suja estava jogada na mesa de canto com um descuido que não atribuía grande crença a suas virtudes.
- Eu creio que todos os velhos soldados são iguais - disse a Sra. White. - Essa ideia de dar ouvidos a tal tolice! Como é que se pode realizar desejos hoje em dia? E se fosse possível, como é que iam aparecer 200 libras, papai?
- caindo do céu, talvez - disse Herbert, com ar brincalhão.
- Morris disse que as coisas aconteciam com tanta naturalidade - disse o pai - que a gente podia até achar que era coincidência.
- Bem, não gaste o dinheiro antes de eu voltar - disse Herbert, ao se levantar da mesa. - Estou com medo de que você se torne um homem mesquinho e avarento, e vamos ter de renegá-lo.
A mãe riu e, acompanhando-o até a porta, viu-o descer a rua. Voltando à mesa do café, divertiu-se à custa da credulidade do marido. O que não a impediu de correr até a porta com a batida do carteiro, nem de se referir a sargentos da reserva com vício de beber, quando descobriu que o correio trouxera uma conta do alfaiate.
- Herbert vai dizer uma das suas gracinhas quando chegar em casa - disse ela, quando se sentaram para jantar.
- Com certeza - disse o Sr. White, servindo-se de cerveja -, mas, apesar de tudo, a coisa se mexeu na minha mão; eu posso jurar.
- Foi impressão - disse a senhora apaziguadoramente.
- Estou dizendo que se mexeu - replicou o outro. - Não há dúvida; eu tinha acabado… O que houve?
A mulher não respondeu. Estava observando os movimentos misteriosos de um homem do lado de fora, que, espiando com indecisão para a casa, parecia estar tentando tomar a decisão de entrar. Lembrando-se das 200 libras, ela reparou que o estranho estava bem-vestido e usava um chapéu de seda novo.
Por três vezes ele parou no portão, e depois caminhou novamente. Da quarta vez ficou com a mão parada sobre ele, e depois com uma súbita resolução abriu-o e entrou.
A Sra. White no mesmo momento desamarrou o avental rapidamente, colocando-o debaixo da almofada da cadeira. Convidou o estranho, que parecia deslocado, a entrar. Ele olhou para ela furtivamente, e ouviu preocupado, a senhora desculpar-se pela aparência da sala, e pelo casaco do marido, uma roupa que ele geralmente reservava para o jardim. Então ela esperou, com paciência, que ele falasse do que se tratava, mas, a princípio, ele ficou estranhamente calado.
- Eu… pediram-me para vir aqui - disse ele finalmente, e abaixando-se tirou um pedaço de algodão das calças. - Eu venho representando “Maw & Meggins”.
A senhora sobressaltou-se.
- Aconteceu alguma coisa? - perguntou ela, ofegante - Acontecem alguma coisa a Herbert? O que é? O que é?
O marido interveio.
- Calma, calma, mamãe - disse ele rapidamente. - Sente-se e não tire conclusões precipitadas. O senhor certamente não trouxe más notícias, não é, senhor - e olhou para o outro ansiosamente.
- Eu lamento… - começou o visitante.
- Ele está ferido? - perguntou a mãe desesperada.
O visitante assentiu com a cabeça.
- Muito ferido - disse. - Mas não está sofrendo.
- Ah, graças a Deus! - disse a senhora, apertando as mãos. - Graças a Deus! Graças…
Parou de falar de repente quando o significado sinistro da afirmativa se abateu sobre ela, e ela viu a terrível confirmação de seus temores no rosto desviado do outro. Prendeu a respiração e, virando-se para o marido, menos perspicaz, pôs a mão trêmula sobre a dele. Seguiu-se um demorado silêncio.
- Ele foi apanhado pela máquina - repetiu o Sr. White, estonteado. - Ah! Sim.
Ficou sentado olhando para a janela e, tomando a mão da esposa entra as suas, apertou-a como tinha vontade de fazer nos velhos tempos de namoro há quase 40 anos.
- Ele era o único que nos restava - disse ele, voltando-se amavelmente para o visitante. - É difícil.
O outro tossiu e, levantando-se, caminhou lentamente até a janela.
- A firma me pediu para transmitir os nossos sinceros pêsames a vocês por sua grande perda - disse ele, sem olhar para trás. - Eu peço que compreendam que sou apenas um empregado da firma e estou apenas obedecendo ordens.
Não houve resposta; o rosto da senhora estava branco, os olhos parados e a respiração inaudível; no rosto do marido havia um olhar que o amigo sargento talvez tivesse na primeira batalha.
- Devo dizer que “Maw & Meggins” estão isentos de toda responsabilidade - continuou o outro. - Eles não têm nenhuma dívida com a família, mas, em consideração aos serviços de seu filho, desejam presenteá-los com uma certa soma como compensação.
O Sr. White largou a mão da esposa e, pondo-se de pé, olhou para o visitante horrorizado. Seus lábios secos pronunciaram as palavras:
- Quanto?
- Duzentas libras - foi a resposta.
Indiferente ao grito da esposa, o velho sorriu fracamente, estendeu as mãos como um homem cego e caiu, desfalecido, no chão.
No enorme cemitério novo, a alguns quilômetros de distância, os velhos enterraram seu morto e voltaram para casa mergulhada em sombras e silêncio. Tudo terminara tão rápido que a princípio nem se davam conta do que acontecera, e ficaram num estado de expectativa como se fosse acontecer mais alguma coisa - algo mais que aliviasse esse fardo, pesado demais para corações velhos.
Mas os dias se passaram, e a expectativa deu lugar à resignação - a resignação desesperançada dos velhos, às vezes chamada erradamente de apatia. Algumas vezes nem trocavam uma palavra, pois agora não tinham nada do que falar e os dias eram compridos e desanimados.
Foi por volta de uma semana depois que o velho, acordando subitamente de noite, estendeu o braço e viu-se sozinho. O quarto estava no escuro e o ruído de soluços baixinhos vinha da janela. Ele se levantou na cama e ficou ouvindo.
- Volte para a cama - disse ele ternamente. - Você vai ficar gelada.
- Está mais frio para ele - disse a senhora, e chorou novamente.
O som de seus soluços apagou-se nos ouvidos dele. A cama estava quente, e seus olhos pesados de sono. Ele cochilava a todo instante e acabou pegando no sono, quando um súbito grito histérico da esposa o despertou com um sobressalto.
- A pata! - gritou histericamente. - A pata de macaco!
Ele se levantou, alarmado.
- Onde? Onde está? O que houve?
Ela correu agitada até ele.
- Eu quero a pata - disse ela calmamente. - Você não a destruiu?
- Está na sala, em cima da prateleira - replicou ele atônito. - Por quê?
Ela chorou e riu ao mesmo tempo e, debruçando-se, beijou-o no rosto.
- Só tive essa ideia agora - disse ela histericamente.
- Por que não pensei nisso antes? Por que você não pensou nisso antes?
- Pensar em quê? - perguntou ele.
- Nos outros dois desejos - replicou ela rapidamente. - Nós só fizemos um pedido.
- Não foi suficiente? - perguntou ele, irado.
- Não - gritou ela, triunfante; - ainda vamos fazer um. Desça, apanhe a pata rapidamente, e deseje que o nosso filho viva novamente. O homem sentou-se na cama e arrancou as cobertas de cima do corpo trêmulo.
- Meu bom Deus, você está louca! Gritou ele, horrorizado.
- Pegue aquela coisa - disse ela, ofegante -, pegue depressa, e faça o pedido… Ah, meu filho, meu filho! O Marido riscou um fósforo e acendeu a vela.
- Volte para a cama - disse ele, incerto. - Você não sabe o que está dizendo.
- Nós conseguimos satisfazer o primeiro pedido - disse a senhora, febrilmente. - Por que não o segundo?
- Foi uma coincidência - gaguejou o velho.
- Vá buscar a pata e faça o pedido - gritou a esposa, tremendo de excitação.
O velho virou-se, olhou para ela, e sua voz tremeu.
- Ele já está morto há 10 dias e, além disso, ele… - eu não queria lhe dizer isso, mas… só consegui reconhecê-lo pela roupa. Se já estava tão horrível para você ver, imagine agora?
- Traga-o de volta - gritou a senhora, e o arrastou para a porta. - Você acha que tenho medo do filho que criei?
Ele desceu na escuridão, foi tateando até a sala e depois até a lareira. O talismã estava no lugar, e um medo horrível de que o desejo ainda não expresso pudesse trazer o filho mutilado apossou-se dele, e ficou sem ar ao perceber que perdera a direção da porta. Com a testa fria de suor, ele deu volta na mesa, tateando, e foi-se amparando na parede até se achar no corredor com a coisa nociva na mão.
Até o rosto da esposa parecia mudado quando ele entrou no quarto. Estava branco e ansioso, e para seu temor parecia ter um olhar estranho. Ele sentiu medo dela.
- Peça! - gritou ela, com voz forte.
- Isso é loucura - disse ele, com voz trêmula.
- Peça! - repetiu a esposa.
Ele levantou a mão.
- Eu desejo que meu filho viva novamente.
O talismã caiu no chão, e ele olhou para a coisa com medo. Então afundou numa cadeira, trêmulo, quando a esposa, com os olhos ardentes, foi até a janela e levantou a persiana. Ficou sentado até ficar arrepiado de frio, olhando ocasionalmente para a figura da velha senhora espiando pela janela.
O cotoco de vela, que queimara até a beirada do castiçal de porcelana, jogava sombras sobre o teto e as paredes, até que, com um bruxulear maior do que os outros, se apagou. O velho, com uma imensa sensação de alívio pelo fracasso do talismã, voltou para a cama, e um ou dois minutos depois a senhora veio silenciosamente para o seu lado.
Nenhum dos dois disse nada, mas permaneceram deitados em silêncio, ouvindo o tique-taque do relógio. Um degrau rangeu, e um rato correu guinchando através do muro. A escuridão era opressiva e, depois de ficar deitado por algum tempo, criando coragem, ele pegou a caixa de fósforos e, acendendo um, foi até embaixo para pegar uma vela.
Nos pés da escada o fósforo se apagou, e ele parou para riscar outro; no mesmo momento ouviu-se uma batida na porta da frente, tão baixa e furtiva que quase não se fazia ouvir. Os fósforos caíram-lhe da mão e espalharam-se no corredor. Ele permaneceu imóvel, com a respiração presa até a batida se repetir.
Então virou-se e fugiu rapidamente para o quarto, fechando a porta atrás de si. Uma terceira batida ressoou pela casa.
- O que é isso? - gritou a senhora, levantando-se.
- Um rato - disse o velho com voz trêmula -, um rato. Ele passou por mim na escada.
A esposa sentou-se na cama, escutando. Uma batida alta ressoou pela casa.
- É Herbert! - gritou. - É Herbert!
Ela correu até a porta, mas o marido ficou na frente dela e, pegando-a pelo braço, segurou-a com força.
- O que você vai fazer? - sussurrou ele com voz rouca.
- É meu filho; é Herbert! - gritou ela, debatendo-se mecanicamente. - Eu esqueci que ele estava a 10 quilômetros daqui. Por que está me segurando? Me solte. Eu tenho de abrir a porta.
- Pelo amor de Deus não deixe entrar - gritou o velho tremendo.
- Você está com medo do próprio filho - gritou ela, debatendo-se. - Me solte. Eu já vou, Herbert; eu já vou.
Ouviu-se mais uma batida, e mais outra. A senhora com um arrancão súbito soltou-se e saiu correndo do quarto. O marido seguiu-a até a escada e chamou-a enquanto ela corria para baixo. Ele ouviu a corrente chocalhar e a tranca do chão ser puxada lenta e firmemente do lugar. Então a voz da senhora soou, nervosa e ofegante.
- A tranca - gritou ela alto. - Desça que eu não consigo puxar a tranca.
Mas o marido estava de joelhos no chão, procurando a pata desesperadamente. Se pelo menos conseguisse encontrá-la antes que a coisa entrasse. Uma série de batidas reverberou pela casa, e ele ouviu o arrastar de uma cadeira quando a esposa a colocou no corredor encostada na porta.
Ouviu o ranger da tranca quando esta se destravou lentamente, e no mesmo momento encontrou a pata de macaco, e desesperadamente fez o terceiro e último pedido.

As batidas pararam subitamente, embora ainda ecoassem na casa. Ele ouviu a cadeira ser arrastada de volta, e a porta se abrir. Um vento frio subiu pela escada, e um gemido alto e demorado de decepção e tristeza da esposa lhe deu coragem para correr até ela e depois até o portão. O lampião da rua que tremulava do outro lado brilhava numa estrada silenciosa e deserta.

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