No auge do Inverno, com as noites frias e longas, nas
vilas do leste de Gales, na região de Gwent e Glamorgan, uma estranha cena
poderia ser vista. Um crânio de cavalo, vestido com um fino tecido branco,
usado como um véu, ornamentado com fitas e guizos, poderia estar sendo
carregado pelas ruas, seguido por uma procissão de jovens. Se eles batessem à
sua porta, era porque a Mari Lwyd havia escolhido sua casa para receber suas
oferendas. Dado o forte enfoque Celta para a poesia, haveria uma disputa de
versos, que falavam sobre a época fria em que se vivia, sobre o destino final
de todas as pessoas (a morte, um tema comum à essa época) bem como sobre o
futuro que a nova estação prometia,
com seu Sol e seu calor. Se você
desistisse, a Mari Lwyd poderia ser carregada para dentro de sua casa e o caos
estaria instalado. Se não, os jovens da procissão apenas pediriam por alimentos
como oferenda, em uma tradição próxima ao do Halloween, e partiriam para a
próxima casa.
O nome da Mari Lwyd é normalmente traduzido como “Égua
Cinzenta”, mas a palavra Galesa para égua é caseg, portanto, a tradução é
improvável, sendo que o nome atual provavelmente tem a origem ligada à tradição
Cristã, significando “Maria Cinzenta”, ligado à época dificil em que a
cerimônia acontecia, e que voltou a acontecer. Apesar da ligação com o
Cristianismo, a base da cerimônia é bem pouco Cristã. Um crânio de cavalo
carregado como troféu, ornamentado, e com teor de reverência, é um retorno a
caracteristicas totemicas que o Judaico-Cristianismo já ignorava em tempos
medievais, mas que os povos Cristianizados ainda carregavam como sobrevivência
de suas antigas crenças. Por sua localização nas províncias do Leste do País de
Gales, há uma probabilidade de a prática não ser de origem Celta, mas sim Germânica,
mas sua ausência na Inglaterra nos sugere que a Mari Lwyd é, sim, uma prática
Galesa, e de possível origem Britânica. Uma cerimônia com caracteristicas
fortemente sazonais, e associada à terra, cuja vida começa a retornar no
Solsticio de Inverno, com a presença sempre forte da poesia natural (em Galês,
claro), e a possivel representação das deusas-égua da soberania, a ligação da
Mary Lwyd com as tradições Celtas é bastante forte.
A prática da Mary Lwyd permaneceu dentre o povo dos
vilarejos de Glamorgan e Gwent nos tempos medievais e na Renascença,
aparentemente sem sofrer realmente perseguição das autoridades Católicas ou
Protestantes, com apenas alguma condenação da Igreja Metodista no século XIX.
De qualquer modo, nessa época, a festa passou a ser associada com bandos
arruaceiros e sua importância começou a diminuir, praticamente sumindo no
início do século XX. Sua prática foi continuada em Llangynwyd e em tempos mais
recentes, foi revivida em algumas cidades. Hoje, a Mari Lwyd está novamente
viva em Gales.
A lenda da Mari Lwyd conta com três versões: uma delas,
bem Cristianizada, e próxima da prática medieval e atual que conhecemos nos diz
que, quando a Sagrada Família escolheu o estábulo onde Maria teria seu filho, a
Mari Lwyd e seus potros foram expulsos e desde então, ela vai vagando pelas
vilas em busca de um estábulo para passar o Inverno.
Há também a versão que diz que ela vem do mundo dos mortos para vagar
pelas ruas junto a seus assistentes. Assumindo a forma de um ventríloquo
vestido com uma cabeça eqüina e uma capa branca, Mary Lwyd desafia os moradores
para duelos de rimas e os perdedores têm que deixar que a criatura entre em
suas casas, o que não deve ter conseqüências agradáveis.
E a outra versão nos diz que, na noite do Solstício de
Inverno, os potros da Mari são levados embora, e desde então, em todo meio de
Inverno, ela vaga em busca dos seus filhos. Essa lenda guarda uma grande
semelhança com a história de Rhiannon, que também tem seu filho levado, e é
recuperado. Rhiannon é fortemente associada com a égua, e seu nome normalmente
é traduzido como “Grande Rainha” (em Britonico, Rigantona), e ligação das
deusas da soberania com a figura da égua é bem conhecida (Epona e Macha são
outros exemplos). Além da ligação do mito da criança divina que é roubada, e é
recuperada para trazer novamente a fertilidade ao mundo, aqui simbolizada por
Pryderi, filho de Rhiannon. Assim, podemos fazer um esquema hipotético de uma
deusa da soberania (Rhiannon) que tem seu filho solar (Pryderi) roubado, o que
traz um ermo à terra (o Inverno), mas que é buscado novamente no Solsticio,
quando as noites começam a ficar mais quentes e os dias mais longos. Demorará
até que Pryderi cresça, e atinja seu auge, mas ao menos, seu retorno é buscado,
e para que a nova estação de cultivo comece. Um esquema hipotético, claro, mas
não tão improvável, dadas as imensas semelhanças mitológicas e ritualísticas
dessa prática.
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